terça-feira, 16 de dezembro de 2014

LIVRE DO ÚLTIMO DOS GRILHÕES


Hoje eu decidi mais uma vez fazer uma limpeza no meu armário (guarda roupa), pus roupas e calçados fora, que por alguma razão não mais me serviam. Em uma caixa, muitos papeis amarelados, pedaços de uma vida que pelo tempo foi ficando para trás, muitas vezes enterrados no pó do meu orgulho ferido.
Lentamente fui me desfazendo de várias primaveras que não conseguiu deixar nenhum perfume, apenas flores murchas... Desbotadas ao longo das horas, dias e meses que quase me asfixiaram. Joguei no lixo todas as lembranças de verão que apenas estragaram minha Tez.
Por instantes meu olhar perdeu-se envolto nas sombras de um passado que se deixou seduzir pelas brisas outonais que tanto me iludiram... Tanto me machucaram e hoje, ao mergulhar nessas reminiscências percebi que há algum tempo eu luto para livrar-me de vez dessas memórias.
Volto minha atenção para uma pequenina caixa... Ah! quanto tempo está alí? não sei... Décadas... Alí está meu último elo com o passado.Uma aliança que poderia representar uma vida de felicidades, de sonhos e projetos bem arquitetados... Ao lado um solitário (anel) que talvez tenha sido a minha maior solidão. Tocar aquela caixinha causou-me uma certa repulsa... Quantos anos perdidos... Jogados fora... Quanta dor encerrava aquela pequenina caixa.
Num relance, me vi envolvida por trevas medonhas, uma tempestade que desaguara na minha vida há mais de trinta anos atrás, senti um frio percorrer todo o meu corpo, momentos de angústias me chegaram ao relembrar as dores e aflições causadas pelo inverno da incompreensão.
Abri os olhos... Fechei a caixinha e atirei-a no meio das coisas que decidi doar...  Alí se foram momentos que nunca deveriam ter existido.
Embaixo do chuveiro, me livrei da poeira e de tudo que nunca deveria ter ficado na minha memória. Olho a água descendo pelo ralo e penso: - Assim está sendo com tudo que deixo para trás.
Pela primeira vez na vida me senti leve... Livre, sem amarras... Libertei-me finalmente do último dos grilhões. Não terei mais riso disforme nem sombra em meu olhar.

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