quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

De Volta À Vida


Categoria: Contos

Numa pequena fazenda, não muito distante da cidade, morava a D. Carlota, e mesmo tendo uma cidade próxima, ela sempre fazia as suas compras na capital. O Seu Justino, homem do campo, muito devotado à família, vivia admirando as suas plantações e também as criações que possuía.
Viviam bem... Tinham quatro filhos, a maioria estudava, e felizes eles levavam uma vida bastante tranquila, sem qualquer tipo de aborrecimento que pudesse abalar a tão bem formada estrutura familiar.
Logo após as festas juninas, a D. Carlota convence o Seu Justino que precisa ir a capital fazer algumas compras. Ele reluta em ceder, pois aqueles dias está bastante chuvoso. Mas tanto ela insiste que ele termina por concordar, e embora curioso por saber o que ela tanto queria comprar, mesmo assim, ele não procurou saber, respeitando um direito que ele achava que ela tinha, longe de saber que a mulher ia comprar uma bomba para irrigação, algo que ele já a algum tempo dizia estar precisando e com certa urgência, mas que por ser homem prevenido, estava aguardando um pouco, com receios de que algum imprevisto surgisse e o pegaria desprevenido. A D. Carlota vira uma propaganda de uma promoção e era justamente a que ele precisava. Ela pegou as suas economias e depois de se despedir do marido partira para a capital, e apenas o seu filho mais velho sabia o que de fato ela fora comprar .
Ao se despedir da esposa, ele sentiu ímpeto de retê-la, mas compreendia a ansiedade dela e a deixa ir, mas sem entender a razão, fica muito preocupado. E nesse dia, ele não deixa os filhos irem ao colégio, e aparentemente sem nenhum motivo, apenas a estranha necessidade de tê-los junto a si. E passa o dia ansioso, aguardando o regresso da esposa.
Apesar de ter sido um dia bastante chuvoso, a D. Carlota está feliz... Comprara finalmente o que o marido tanto queria, ela sabe que ele ficará muito feliz com a surpresa. Ansiosa olha para a frente, a pouca distância vê a lona ponte que irão atravessar e logo em seguida avistará o carro do marido, pois ele sempre a ia buscar quando ela fazia essas viagens. E nunca houve um dia sequer que ela ao chegar não o encontrara em pé ao lado do carro aguardando no acostamento...Efêmera divagação, pois logo ela se vê arrancada bruscamente de seus devaneios, pois assim que o ônibus começou a transpor a ponte, sem que ninguém pudesse perceber, esta cai levando o veículo e seus passageiros. Devido as últimas chuvas que haviam sido abundantes para a época, o rio estava muito cheio e com fortes correntezas, e foi justamente isso o que dificultara o salvamento dos passageiros. O socorro foi rápido, pois havia algumas casas naquela região e por ter uma pequena cidade próxima, logo chegou os bombeiros e também uma boa ajuda de voluntários... e do outro lado da ponte, o Seu Justino grita desesperado, pois ao longe ele pôde presenciar o trágico acidente. E ali ele passa as horas mais terríveis da sua vida... Muitos foram os que conseguiram sobreviver, e outros mais infelizes tiveram seus corpos resgatados, mas não fora encontrado o corpo da sua adorada esposa, e segundo os bombeiros, ela provavelmente havia sido levada pela correnteza, já que outros corpos haviam sido encontrados, horas depois bem distante do local do acidente.
Dias depois, sem ter sido encontrada , a polícia dá o caso por encerrado e ela como morta. Inconformado, o seu Justino passa dias e dias no mais profundo langor, até que finalmente percebe estar sendo egoísta, pois os filhos estão sofrendo tanto quanto ele, ou talvez até mais. Porém o desgosto maior do seu Justino, foi por saber que ela havia viajado para comprar a bomba que ele tanto falara e que se não fosse por isso a sua Carlota ainda estaria viva. O restante do ano transcorre sem muitas alegrias para ele e os filhos, e era graças aos filhos que ele ainda conseguia sair daquela apatia.
Quando o ano novo se inicia, seu Justino toma uma decisão. Chama os filhos e comunica que decidiu vender a fazenda e viver bem longe dali. Os filhos concordam pois compreendem a dor do pai, é necessário ele ir para longe dali daquele lugar que tanta felicidade lhe dera, mas que hoje, as muitas lembranças só lhe trazia dor e desespero.
Dez anos já se passaram desde que saíram da fazenda. D. Carlota é apenas uma lembrança saudosa. Saudosa mas não desesperadora como fora durante tantos anos. seu Justino aprendeu a conviver com as boas e inesquecíveis lembranças que a mulher lhe deixara. Os filhos de certa forma ainda ocupavam quase todo o seu tempo, porém à noite, no silêncio da sua saudade perdurável, ele sofria calado a falta da mulher amada.
Mais cinco anos que se passam. Os filhos do Seu Justino já estão quase todos formados,falta apenas a sua caçula que tinha apenas cinco anos quando a mãe morreu,mas ela fará mais alguns anos de faculdade e terá também um diploma,o seu sonho é ser pediatra e falta algum tempo para isso. Numa colorida tarde de primavera, estava seu Justino com a filha caçula, fazia pouco tempo que ela havia chegado da faculdade e ao encontrar o pai sozinho e pensativo, resolvera lhe fazer um pouco de companhia e era sempre ela a sua companhia, já que os dois mais velhos estavam casados,e o outro trabalhava e quando chegava em casa, ou estava muito cansado,ou então era muito tarde pois ele dava plantão no hospital. E apenas no final de semana era que  seu Justino podia desfrutar da presença e do carinho de todos ,inclusive das noras também.
Enquanto conversavam, a pequena Justine, (era como o Seu Justino a tratava), pois para ele, todos, especialmente ela, não passavam de crianças grandes.
- Daqui a algum tempo estarei completamente só, pois breve todos estarão casados, até mesmo você minha filha, e aí é que eu sentirei mais ainda o peso da ausência da minha saudosa Carlota. Sonhei muitas vezes em construir tudo isso para desfrutarmos quando já estivéssemos velhinhos, mas Deus não quis assim.
- Não fale assim papai, eu jamais o abandonarei, tenha  certeza disso.
Nesse momento batem no portão, a filha se levanta e vai atender, enquanto o pai fica olhando em volta, contemplando os anos de esforço e dedicação, para transformar aquele imenso quintal num lindo pomar.
Nesse momento a filha volta sorrindo e o traz de volta a realidade.
- Quem era Justine?
- Uma senhora pedindo esmolas. Eu tive tanta dó que mandei-a entrar e pedi pra Clara deixá-la tomar um banho... Mandei também que desse um dos vestidos da mamãe e que depois a alimentasse, e disse também para trazê-la para cá, pois eu vou arranjar alguma coisa para ela fazer, ela não me parece ser do tipo que se sente bem mendigando.
- Você fez bem minha filha, só não gostei de saber que andam mexendo nas coisas da sua mãe, eu já as proibi, não faça mais isso filha. Mande a Clara ir até a cidade e comprar o que for necessário para esta senhora, eu com certeza ficarei mais satisfeito. Mas me diga, o que a fez se compadecer tanto dessa mulher? Afinal é apenas uma estranha.
- Eu não sei papai, acho que foi o olhar dela.
- E o que há de tão diferente no olhar dela?
- Eu não sei explicar, mas ele me conquistou, realmente não sei definir que senti.
Continuam conversando, até que o Seu Justino se levanta do banco onde estava sentado, e pálido olha para além da filha, esta preocupada pergunta-lhe o que está acontecendo.
- Papai, o que é que você tem? O que está acontecendo?
Ele a olha com os olhos cheios de lágrimas e antes de cair desmaiado, balbucia: - Carlota...
A filha desesperada se abaixa para ajuda-lo, enquanto grita por auxílio. Então ela percebe a proximidade da Clara acompanhada da mendiga e pede ajuda, e a pobre mulher ao tentar faze-lo, mal tendo forças para suportar o próprio peso, perde o equilíbrio e cai, e quando isto acontece, ela bate com a cabeça e fica desacordada. Nesse instante seu Justino recobra a consciência e depara com o corpo da mulher no chão. Ele se levanta olha para a filha e tomando aquela mulher nos braços, fala comovido:
- Esta mulher é a sua mãe, a minha Carlota que por algum milagre está de volta à vida. E mal ele fala, a mulher abre os olhos e ao fazê-lo reconhece o esposo. E entre lágrimas e beijos ela conta que havia perdido a memória, lembra-se do acidente sem se dar conta dos muitos anos que já se haviam passado. Enquanto o seu Justino tenta esclarecer a situação para a mulher, manda Clara telefonar para um dos seus filhos que é médico, mas logo sorri e diz que chame os filhos, pois todos eles são médicos, e o mesmo precisa de todos em especialidades diferentes, e é muito justo que venham todos cuidar da mãe deles, e sabe que ao chegarem ficarão surpresos e felizes por poderem compartilhar conosco desse milagre de ressurreição. E vamos logo, pois eu quero ouvir tudo o que a Carlota puder nos contar e quero recompensa-la por todos esses anos de sofrimento e solidão. E sorrindo feliz abraça aquele tesouro que lhe é o mais caro, o mais precioso e que ele julgava ter perdido.

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